segunda-feira, abril 20, 2009

O cinema radical de Carlos Adriano

Conhecido pelo trabalho radicalmente experimental e conceitual, o cineasta Carlos Adriano exibiu seis dos seus filmes no Imagem Pensamento e conversou com o público presente à mostra. Ele comentou o pequeno milagre que é poder sobreviver de cinema no Brasil realizando um trabalho experimental. “Eu tenho que agradecer ao Bernardo Vorobow a existência dos filmes”, disse sobre o produtor dos seus trabalhos. O cineasta falou sobre a felicidade de exibir os seus filmes em película no Imagem Pensamento. “Sou um cineasta do século passado, gosto de trabalhar com película”. O cineasta também respondeu algumas perguntas da platéia:


Dialogo com a tradição documentaria e resgate da cultura brasileira:
“A partir do meu terceiro filme aumentou o meu interesse pelos aspectos desconhecidos e ignorados da cultura brasileira. A Voz e o Vazio venceu o Festival de Chicago como melhor documentário de curta-metragem. Sobre o documentário, eu não faço documentários. Ele são exibidos como tal, pode ser por que eu lido com o documento, com um tema real. Mas as fronteiras implodem. Mas pode ser que os filmes são legíveis como documentários.”

Relação com o campo da poesia:
“A minha primeira ambição era a poesia, mas eu vi que não seria um bom poeta com palavras. Eu vi que teria que fazer poesia com imagens. Mas a literatura e a poesia fazem parte do meu repertório. O verbal é o ponto de partida para os meus filmes, mesmo que às vezes eles sejam não verbais”

A música e os sons dos filmes:
“Falar genericamente é difícil, pois cada material me mostra o que fazer. Eu sempre procuro uma construção musical da imagem. “Remanscências” eu montei sem som, como um teste para ver ser o ritmo da montagem funcionava sem som. A música foi colocada até criar um outro ritmo, paralelo e mais interessante junto com as imagens. No “Papa da Pulp”, eu busquei reestabelecer a constelação sonora sob o universo B, um dialogo com o universo B do Lucchetti e um paralelo com o contexto “pulp”. O ritmo do filme é uma avalanche de informação sonora até o silêncio na máquina de escrever. Em “Militância” as músicas foram escolhidas para criar um conflito com o universo fotográfico. Música do fim do século XX em contraste com a lanterna mágica do século XIX. No filme realizado com as imagens do Décio Pignatari, “Das Ruínas a Rexistência”, eu quis desenhar uma trilha de sons, usar o ruído também como um elemento musical. Em “A voz e o vazio” eu criei uma correspondência no plano sonoro que acrescentasse uma informação. Eu usei todos os discos gravados pelo Vassorinha, então a trilha inclui todos os ruídos da execução em vinil e uma sobra de estúdio, um material que nunca tinha ido à público. “A luz e as palavras”, embora tenha muita música, é um uso antimusical. É a música como princípio construtivo, eu queria quebrar a idéia de que a música está ilustrando as imagens, como um videoclipe. É um filme que trabalha a quebra de ritmo: ao mesmo tempo que há uma fluência, há uma quebra.”

Uso de arquivos e efeitos de edição:
“O uso de imagens de arquivo ficou delineado a partir de “Remanescências”. O uso de imagens encontradas começou a se tornar uma constância. Isso tem a ver com a minha trajetória. Eu assisti a uma seção em um cineclube, há 25 anos, que funcionou como uma alegoria do arquivo. O filme em cartaz era “O Desprezo”, de Godard. Na hora da compra do ingresso, nós éramos avisados que a cópia estava em frangalhos e que talvez ela não resistisse a exibição completa, tanto que tinha pedaços do negativo na bilheteria. Tudo isso criou uma aura mítica sobre essa sessão, ainda mais que era um filme sobre cinema. Comecei a imaginar esse mito de ver um filme que se desintegrasse durante a sessão. O filme é quase como nós, uma vida útil: é gelatina, sais minerais.... Sobre os efeitos, é preciso saber ler o que material bruto diz, o que ele pede que ser faça. Eu prefiro falar em reiteração, em vez de repetição de imagens. É uma idéia de presente contínuo. A repetição em “Remanescências”, por exemplo, é para afirmar a existência daquelas imagens. É para reafirmar a vida desse material. Uma ideologia poética, uma forma de organizar o arquivo, um jogo do tempo que cinema propicia.”

Documento X experimentalismo:
“Existe uma tensão entre o pólo poético e o histórico, que a poesia não rasure o documento. Eu acredito na poesia sem rasurar o documento, em nunca perder de vista o estatuto ou o contexto do material. O que eu tento é valorizar o objeto, mostrar o que ele tem de vida e contextualizar o olhar histórico. Procuro não pender para nenhum dos lados, nem o poético e nem o histórico. Quanto mais eu me aproximo do documento, mais ele se torna imagem, me mostra os seus grãos, os seus pontos.”