terça-feira, fevereiro 27, 2007

Sobre a homenagem a Nam June Paik

A edição de fevereiro do projeto “Imagem-pensamento” foi uma homenagem a Nam June Paik, um dos artistas mais importantes da segunda metade do século XX. Ao longo de sua carreira, Paik desenvolveu uma trajetória artística cheia de inovação, inventividade e subversão, principalmente em relação ao uso dos meios de comunicação e de seus dispositivos. Paik faleceu em janeiro do ano passado deixando um importante e extenso conjunto de obras. Este ano, diversos museus e centros culturais de todo o mundo homenagearam sua trajetória e, Belo Horizonte, o mais destacado e criativo pólo produtor de vídeo no Brasil, não poderia ficar de fora.

Nam June Paik nasceu em Seul (Coréia do Sul), em 1932. Dali fugiu devido a
Guerra da Coréia (1950-1953), indo estudar Filosofia, História da Música e História da Arte em Tóquio (Japão), entre 1953 e 1956. O tema de sua dissertação foi Arnold Schoenberg (1874-1951). Esse interesse em música contemporânea o levou à Alemanha, onde estudou com diversos músicos importantes, entre eles Karlheinz Stockhausen (1928-), com quem trabalhou durante aproximadamente cinco anos no WDR Studio para Música Eletrônica. Nesse período, conheceu e se tornou amigo de John Cage (1912-1992), uma figura central no desenvolvimento de sua obra.

Em 1963, depois de realizar diversas performances e peças musicais como “Homenagem a John Cage”, realiza sua primeira exposição na Galeria Parnass em Wuperthal (Alemanha), onde apresentou as primeiras televisões preparadas e uma série de obras interativas, como “Random Access”, “Participation TV” e “Kuba TV”.

Em “Random Access”, o visitante podia ouvir e compor a música que quisesse e, para isso, Paik produziu duas versões. Na primeira, ele colocou na parede da galeria uma série de trechos de fita magnética de áudio e deixou ao lado um cabeçote ligado às caixas de som. O visitante conduzia o cabeçote pelas fitas, ouvindo, então, uma peça de áudio única.

A segunda versão parte do mesmo princípio, só que, em vez das fitas de áudio, foram utilizados vários discos de vinil, nos quais o visitante poderia colocar a agulha em qualquer um que quisesse ouvir. “Participation TV” usava um microfone colocado ao lado de um aparelho de TV; quando o microfone era utilizado, a TV criava milhares de padrões e pontos de luz na tela. Em “Kuba TV”, Paik criou mais uma obra interativa ao ligar um aparelho de áudio ao aparelho de TV. O visitante, ao aumentar ou diminuir o volume do áudio, acabava por interferir nos sinais da TV.

Ao longo da carreira, Paik desenvolveu inúmeras videoinstalações, performances, videoesculturas, transmissões via satélite, obras com laser entre outras. Por isso a escolha por esses quatro trabalhos foi bastante árdua, porque são muitos os trabalhos importantes e quase todos fundamentais para a compreensão de sua obra e também para vermos os desdobramentos provocados por ela.

Além disso, a idéia foi imprimir nessa mostra um clima de homenagem ao artista e, para tal, além de destacar os trabalhos, foram privilegiados os momentos nos quais o próprio Paik fala sobre sua obra. Nessa perspectiva, foram escolhidos quatro trabalhos que tinham pontos em comum e ao mesmo tempo pudessem mostrar um pouco da totalidade da obra de Paik, assim como alguns de seus objetivos mais diretos.

As obras

Button Happening (2´, 1965) de Nam June Paik
Primeiro vídeo produzido por Paik, em 1965, no mesmo dia em que ele comprou sua primeira câmera de vídeo, a quase mítica Portapack da Sony, primeira câmera portátil produzida no mundo. É um vídeo muito simples recentemente restaurado, sem cortes, com uma imagem muito ruim para os nossos padrões atuais. Neste vídeo o artista parecia antecipar a primeira utilização do vídeo pelos artistas da época: o registro da performance. Neste primeiro trabalho, Paik parecia já ter a noção disso e se coloca diante da câmera abotoando e desabotoando seu paletó. Uma ação simples, direta e bastante contundente dado aos desenvolvimentos posteriores provocados por esse modo de apropriação.

Documenta 6 Satellite Telecast (30´, 1977) de Joseph Beuys, Douglas Davis e Nam June Paik
Um dos mais importantes trabalhos relacionando televisão, transmissão via satélite, videoarte e performance. A transmissão via satélite da
Documenta 6 de Kassel de alguma forma inaugurou o uso das estruturas de comunicação via satélite na produção artística que, durante a década de 70, abriu espaço para muitos outros trabalhos como “Hole in space” (1980) de Kit Galloway e Sherry Rabinowitz.

Nesta transmissão realizada com o apoio do governo alemão e realizada dentro dos pavilhões da Documenta, podemos ver Paik e
Charlotte Moorman (1933-1991), musicista e freqüente colaboradora de Paik em diversos projetos, para quem o artista produziu algumas obras como “TV Bra” (1969) e “TV Cello” (1971) que ela manipula neste vídeo. Além disso, Paik ainda mostra “TV Buddha” (1974), uma de suas principais obras.

Logo depois,
Joseph Beuys (1921-1986), desenhista, pintor, escultor e performer alemão que desenvolveu contundentes performances como “Coyote: eu gosto da América a América gosta de mim” (1974) e “Como explicar uma obra de arte para uma lebre morta” (1965). Na Documenta, ao invés de fazer uma performance propriamente dita, Beuys faz um discurso com um forte tom político, uma espécie de ação que ele vinha chamando de “escultura social”. E no final, nos últimos nove minutos, uma performance central de Douglas Davis(1933-), que questiona a relação espaço temporal proposta pelas transmissões televisivas. “The last nine minutes” se remete ao aparelho de televisão e a audiência diante da tv.

Nam June Paik: Edited for Television (28´14”, 1975) de Nam June Paik
Russel Connor, um dos mais importantes fomentadores da videoarte nos primeiros tempos e responsável por aproximar a televisão dos circuitos da videoarte, aparece também nesse trabalho, além de ter feito os comentários de abertura e encerramento da transmissão da Documenta, junto com Calvin Tompkins, que havia escrito um perfil de Paik para a revista New Yorker.

Connor teve passagens importantes no Museu de Arte de Boston e na WGBH e WNET, televisões públicas nas quais ele promoveu importantes programas de televisão, como o exibido na mostra.

Além disso, Connor foi responsável pela residência de Paik e de outros artistas em Boston para a produção do clássico “The medium is the medium” (1969-1970) um dos trabalhos mais importantes na relação entre televisão e videoarte. Connor também foi fundamental para deixar artistas terem acesso aos caríssimos equipamentos de vídeo disponíveis na época.

Connor e Calvin Tompkins aparecem no atelier de Paik para uma entrevista editada com trechos de algumas obras importantes. No momento da entrevista, Paik estava montando “Fish flies in the sky” (1975), videoinstalação que ele apresenta, pela primeira vez, no ano seguinte ao programa em Nova York.

No vídeo, Paik também nos mostra “Zen For TV” (1963), uma espécie de ready made, referindo ao gesto inaugural de
Marcel Duchamp (1887-1968). Paik apropria-se da tv e a destitui de sua função mais central, exibir a imagem. Além disso, trechos de peças com Charlotte Moorman, trechos de vídeos de Paik nos quais é possível ver como ele construía suas imagens, bem como as relacionava com o som, importante elemento em sua obra. Aparecem ainda Paik e Morman executando uma das aclamadas peças de Cage.

Cinéma Metaphysique: Nos. 2, 3 and 4 (8´39”, 1967-72) de Nam June Paik e Jud Yalkut
O último trabalho é uma compilação de três experimentos curtos realizado nas produtivas colaborações com
Jud Yalkut (1938-), cineasta que se juntou ao Fluxus e desenvolveu diversos trabalhos com Paik. Entre eles, essa série que trata de um cinema mínimo, sem história, narrativa ou qualquer outra coisa que esteja fora do recorte mais preciso da imagem. Além disso, experimentações com a filmagem da projeção sobre o performer, no caso Paik, e a sobreposição de imagens na montagem do filme. Esses trabalhos são conhecidos como “video-filmes”, explicitando, assim, as relações evidentes entre o cinema experimental e a videoarte.

Eduardo de Jesus
Curador do Imagem Pensamento