segunda-feira, maio 07, 2007

Vigilância, Voyeurismo e TV

No dia 28/04 aconteceu mais uma edição do projeto Imagem Pensamento, com a exibição dos 10 vídeos selecionados pelo curador inglês Anthony Auerbach para a mostra Vigilância, Voyeurismo e TV. O primeiro dos vídeos apresentados, “Hello and welcome ...” (10’, 2007) de Anthony Auerbach, foi produzido especialmente para a mostra. Neste vídeo, uma garota (o alter ego de Auerbach) “debocha” da posição do público que assistirá alguns vídeos que não foram preparados para serem exibidos dentro de um cinema. “Você estará sentado em uma poltrona ao lado de pessoas que você nem conhece”. Além disso, destacou a diferença de pontos de vistas entre Anthony e o organizador do Imagem Pensamento, Eduardo de Jesus. “Para o Eduardo, quem pega uma câmera e filma é um realizador, para o Anthony, um voyeur”, afirma a personagem.
Hello and welcome ...: a cama bagunçada da personagem
Além da forte presença do texto no vídeo, a própria forma como ele foi produzido o contextualiza no momento atual das imagens e o religa a um momento histórico importante do vídeo, aquele da performance. O vídeo tem todo um caráter pessoal, filmado por uma web cam e apresenta todo um contexto familiar da personagem: a cama extremamente bagunçada, como bem destacou a professora Ângela Senra no debate após a sessão, a saída da personagem do quadro para buscar um copo de água (que é bebido em cena). Além disso, há a forma como o texto é lido, imitando um telejornal.

A cidade iluminada pelas TV em Voyeur (Rio de Janeiro)


No Rio de Janeiro, Anthony Auerbach realizou “Voyeur (Rio de Janeiro) (1’52”, 2006)”, onde ele observa a televisão de outras pessoas. Anthony não tem televisão em casa. A obra apresenta, o breu da noite na cidade iluminado pelos pixels da TV, além da rede social que se forma ao redor do aparelho: a casa vazia com a sala habitada pelos espectadores.

Em “Brilliant City” (14’46”, 2004), de D-Fuse: Axel Stockburger/Mike Faulkner, o acesso que temos à Shangai não se dá mais por um longo movimento de câmera (travelling), mas por meio de um “escaneamento” da cidade. Além disso, como disse Carlos Camargos Mendonça, o dispositivo apresenta uma cidade desacolhedora. A distância como as imagens foram obtidas (do alto do 34° andar de um edifício) apresenta ainda, afirma Mendonça, uma descaracterização dos corpos, transformando-os em uma massa indistinta. A maneira como o movimento é retratado, as manobras militares, o treinamento das crianças, dentre outras coisas, o fizeram lembrar dos filmes de Leni Riefenstahl.


Brilliant City: manobra militar filmada do 34° andar de um edifício.

O vídeo “Spring/Summer” (4’17”, 2002) de Jo Nigoghossian, é muito provavelmente o vídeo que mais proporcionou incômodo na mostra. Crianças brincam (ou brigam) sem saber que estão sendo filmadas. Um tapa na cara logo de lado: uma menina roda em um mastro. A presença da criança na tela, a música, a nossa posição de voyeur... Impossível não relacionar a cena com a performance de uma striper, impossível não lembrar de Kate Moss no videoclipe dirigido por Sofia Copolla para o White Stripes para a música de Burt Bacharat (I just don´t know what you do with myself). Além disso, existe toda uma violência por parte das crianças, que agridem umas às outras. As imagens vão ganhando significados cada vez mais perversos, a posição de voyeur fica mais incômoda. O exercício de olhar a cena torna-se quase criminoso. Se a câmera representa o nosso olhar, preferiríamos olhar para outro lado.


Cena de Spring/Summer

Em “Sorria” (6’22”, 2005) de Gabriel Sanna, mais uma vez somos apresentados a imagens “roubadas”. A filmagem só é interrompida quando o “presidente” do Mercado Central de Belo Horizonte descobre que estava sendo filmado e, irritado, pede para que a gravação seja encerrada. Em entrevista com o curador da mostra, Anthony Auerbach, perguntamos sobre essa relação dúbia das pessoas com a câmera, “naturalidade” perante a câmera de vigilância, desconforto diante das outras câmeras. Para Auerbach, “se você descobrisse que estava sendo filmado por uma câmera escondida ou por uma câmera que você não soubesse que estava funcionando, então você poderia chatear-se porque não teve a chance de mudar o seu comportamento ao dirigir-se de algum modo para a câmera. As pessoas colocam "Sorria, você está sendo filmado" não necessariamente para lhe chamar a atenção. Eles querem modificar o seu comportamento.”

Sorria: para Auerbach, eles querem mudar o seu comportamento

Além disso, as imagens do vídeo seguem a tendência de um certo tipo de imagem que têm ganhado espaço na mídia, ou seja, imagens de baixa qualidade, que pouco mostram. Na recente chacina ocorrida em Virginia (EUA), as redes de TV americanas divulgaram imagens que nada mostravam do assassinato em massa, mas que foram filmadas durante o ataque. O valor da imagem não está naquilo que ela mostra, mas na rede simbólica que é capaz de abrir.

Traffic Interrelations: reconstituição de corpos fragmentados

Para Carlos Camargos Mendonça, professor da UFMG e convidado para comentar a mostra, “Traffic Interrelations” (8’40”, 2006) de Hasmik Avagyan e Marine Ayvazyan, apresenta uma reconstituição de corpos fragmentados. As pessoas dentro do ônibus quase nunca são filmadas inteiramente. É sempre um pedaço: os olhos, as mãos, o rosto, o colo, o cabelo... Para César Guimarães, assim como em outras obras da mostra, esse vídeo apresenta a impossibilidade do olhar. Se no cinema existe a relação campo/contra-campo, dentro/fora, nesses vídeos o olhar bate e rebate dentro de um mesmo lugar, em imagens “ensimesmadas”. Na posição de voyeur, só temos a opção de olhar para essa única imagem sem um fora, quase massacrando a própria possibilidade do olhar. Possibilidade de olhar que César encontra no vídeo “Radana’s Channel” (6’24”, 2004) de Radana Valúchová and Monika Kováèová, onde uma TV é filmada enquanto alguém transita pelos diversos canais.


Radana’s Channel: o olhar restituído

“Bournemouth Monster” (3’, 2003) de Undercurrents News Network, questiona até que ponto a polícia tem o direito de filmar os cidadãos, uma vez que a posição das câmeras nas ruas permite a filmagem não só dos pedestres, mas dentro dos apartamentos das pessoas. Indignado com essa invasão, o artista veste uma pessoa com uma fantasia de monstro, para andar nas ruas e alertar as autoridades. O absurdo da situação nos leva a pensar sobre que tipo de segurança essas câmeras nos oferecem. E como bem apontou Carlos Camargos Mendonça, para o tipo de violência simbólica que esse controle proporciona.


Bournemouth Monster: um monstro contra a violência simbólica dos dispositivos de controle

Novamente imagens “roubadas”: o artista filma, em “Surveillance and Punishment” (4’, 2003) de Carlo Sansolo, um longo beijo de dois adolescentes. No áudio, um diálogo do artista com uma amiga, onde mensagens incoerentes e violentas completam o vídeo.

O longo beijo de Surveillance and Punishment

Em “Wie Geht es Ihnen?” (7’40”, 2004) de Anca Daucikova, o rosto da pessoa que é observada pela câmera nos é ocultado. Logo o rosto, onde sempre buscamos um índice qualquer para nos identificarmos, é deliberadamente omitido do espectador. Não se trata de um respeito à identidade da pessoa que é filmada, já que outras pessoas têm o rosto mostrado e outras ocultado. Além do incômodo, somos obrigados a buscar no gestual, na cidade, outros vetores para descarregarmos a nossa carência. Se o voyeur busca prazer ao observar algo, nesse caso temos que encontrar outro que não seja o rosto da pessoa filmada.


Wie Geht es Ihnen?: o rosto omitido